segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Pai Joaquim D'Angola

Educar é limitar

Maria Joana era seu nome. Trinta e nove anos, com aparência de cinqüenta. A pele ressecada e a magreza eram o resultado de uma vida dura, auxiliados pelo vício do cigarro desde muito jovem.

Agora ela estava ali, naquela fila, aguardando ansiosa um atendimento para tentar resolver o problema com o filho. Seu nervosismo e preocupação, lhe tiravam a percepção do quanto seu cigarro aceso incomodava as outras pessoas da fila. Ao chegar na porta do terreiro, foi chamada a atenção pelo cambono, pois naquele ambiente era proibido fumar. Contrariada, apagou o cigarro mas à medida que se aproximava do congá, onde eram atendidas as pessoas da fila, verificou que alguns dos médiuns incorporados fumavam palheiros ou charutos. Sua revolta acentuou-se, aliada ao longo tempo em que ficara na fila e virando-se ao rapaz que estava logo atrás, iniciou uma conversação demonstrando sua indignação, atiçando nele uma pontinha de inquietação que logo se estendeu à pessoa seguinte e mais outros além deles. Quando perceberam, estavam sendo chamados à atenção pois tumultuavam o local com sua conversa alta.

Sem demora, chegou a vez de Maria Joana ser atendida. Encaminhada em frente ao preto velho, Pai Joaquim, foi logo relatando seus queixumes:

- Vim aqui porque preciso dar um jeito na minha vida ou então vou me matar. Deus esqueceu de mim. Meu filho foi preso só porque se meteu com gente que não presta e acabou pagando sozinho. Como se não bastasse, alguns maus elementos estão me ameaçando para pagar dívidas que dizem, ser dele. Já não tenho mais saúde para trabalhar e meu filho era quem sustentava a casa.

Pai Joaquim que ainda nem tivera tempo de cumprimentar a mulher, mas que observava atento o movimento que se dava ao seu redor, tanto de entidades que a acompanhavam, quanto de elementos energéticos que agiam qual parasitas em seu corpo etérico, fumegava seu cachimbo demonstrando tranqüilidade.

-Saravá zi fia. Nego véio tá aqui matutando...Zi fia tá toda enrolada...eh.eh.

E fumegando seu cachimbo, dava longas baforadas na aura da mulher, de onde se desprendiam pequenas larvas mal cheirosas, as quais eram recolhidas pelas entidades responsáveis pela faxina astral do lugar. Duas entidades, que se mantinham grudadas a ela, mesmo depois da primeira varredura efetuada na porta do templo, debochavam do preto velho e transmitiam à mente da mulher idéias para que desistisse daquilo tudo, pois de nada adiantaria, ao mesmo tempo em que atiçavam a sua vontade de fumar ao sentir o cheiro do fumo do cachimbo.

Puxando um ponto cantado de demanda e riscando um ponto na testa da mulher, Pai Joaquim acionou uma carga energética que desprendeu-se do congá e veio como um raio em direção aos dois intrusos, fazendo com que desmaiassem. Recolhidos pelos guardiões de plantão do templo, eles foram levados para outro departamento onde seriam atendidos dentro de seu merecimento.

Inevitável a sensação de perda que se deu imediatamente no corpo emocional da mulher, que desatou num choro quase convulsivo, sem nem ela mesmo saber porque.

-Isso zi fia. Chora mesmo, suncê tá precisando – falou o preto velho enquanto continuava a cantarolar e mandigar, usando sua sabedoria milenar na magia branca para aliviar aquele espírito necessitado tanto de alívio quanto de aprendizado sobre a vida.

- Agora esse negro velho é obrigado a falar para a filha que nada do que “suncê” achou encontrar por aqui hoje, vai ajudar. Mesmo estando deste lado da vida, não temos o poder de ultrapassar a s leis divinas e transformar o carma ou escolha dos filhos. Acima de tudo, precisamos respeitar vosso livre arbítrio. Nem o preto velho, nem qualquer entidade que trabalha nesta casa vai realizar os “trabalhos” que a filha deseja para arrumar a vida. O que nos é permitido fazer já está feito. O resto filha, é a sua parte, e esta, é a mais importante.

- Mas já não tenho saúde nem forças para mais nada...

-Sua saúde abalada e a falta de forças, deve-se muito ao vício do cigarro que está adoecendo seu sistema respiratório e abalando sua imunidade.

-Ah, mas se cigarro faz mal por que é que o senhor está fumando esse cachimbo?

-Eh,eh,zi fia. Nego véio vai explicar a diferença, mas primeiro vai dizer que a melhor maneira de educar alguém é pelo exemplo, não é mesmo? De certa maneira zia fia tem razão. Como posso exigir dos outros, mudanças que ainda não realizei comigo mesmo?

Esse cachimbo que nego véio está fumegando, recheado de fumo serve como defumador para os filhos que chegam aqui envolvidos em energias mórbidas e pestilentas.. Conciliando o elemento vegetal que é o fumo seco, mais o elemento fogo que queimando o mesmo gera a fumaça, age como verdadeira profilaxia ou varredura energética na aura dos filhos. O médium que me serve de aparelho não se intoxica e não vicia com a fumaça porque não a aspira para seu organismo físico. Prova disso é que o meu aparelho não tem o hábito de fumar quando fora deste trabalho mediúnico.

Diferença se faz com o cigarro caro e venenoso, impregnado de elementos químicos e viciantes que a filha aspira para seus pulmões e que com o passar do tempo, corrói este órgão tirando sua capacidade respiratória, além de criar dependência.

Sem contar filha, que os fumantes acabam sendo fornecedores de nicotina e satisfação a muitos espíritos desencarnados que morreram viciados. Eles agem intuindo os fumantes a desejar ardentemente mais um cigarro e qual vampiros, encostam-se ao encarnado, aspirando juntos a fumaça inebriante. Quadro assustador e nojento para quem os vê, por vezes quase dantesco. Agora mesmo, nego véio, com o auxílio do nosso povo do bem, tirou dois seres desencarnados e fumantes que mantinham-se grudados ao seu corpo e garanto que se a filha os visse, desistiria do fumo imediatamente.

De olho arregalado a mulher escutava tudo, ainda meio aturdida.

- Mas eu já fumo a mais de vinte anos e não consigo deixar.

- Pois é zi fia. Mas apesar disso, não nasceu fumando e porque então tem que morrer assim? Se quiser realmente largar do vício vai precisar de ajuda médica, espiritual e muita boa vontade, mas lhe garanto que o esforço vai valer a pena. Além de prolongar os seus dias, eles serão vividos de forma saudável em todos os sentidos. Deixará de ser atrativo para estes pobres sofredores desencarnados que nada de bom trazem para sua energia, mudando sua condição vibratória.

- O preto velho acha que se eu fizer uma promessa de dar uma caixa de cachimbo por mês para o senhor, isso vai me ajudar?

- Eh...eh zi fia! Até que seria uma maneira melhor de empregar o dinheiro, mas nego véio vai dizer que não deve trocar um vício por outro. Não pode querer negociar com a espiritualidade nem com o Criador. Não precisa pagar nada a ninguém para ser auxiliada pelos bons espíritos. Só o que precisa é a sua auto-transformação, a sua fé racional. No mundo espiritual, só precisam de pagamentos, aqueles espíritos da mão esquerda e que efetuam trocas com os encarnados, mas alerto a filha de que essas negociatas sempre acabam mal.

- Quanto ao seu filho que está preso pela justiça dos homens, nego véio aconselha a filha a repensar na educação que lhe deu. Mimou demais aquele menino tentando compensar a falta do pai e esqueceu de lhe dar limites. Hoje zi fia, aquele menino está colhendo o que plantou. Nego véio sabe que aos olhos de uma mãe, todo filho sempre é inocente e perfeito. Mas o que não pode esquecer é que nossos filhos são espíritos endividados e errantes que vem às nossas mãos para reajuste e não para serem criados como pequenos príncipes cheios de mordomias. As asperezas do caminho, as dificuldades por que passam os pais, não devem ser omitidas ao restante da família. O amor zi fia, não é proteção contra as dores do mundo, mas deve ser ensinamento dado pelo exemplo.

Não o abandone, mas faça com que enxergue a realidade. Não o veja como uma criança desprotegida, pois se foi bastante adulto para roubar, deve arcar com as consequências. Não vai ser livrando-o da prisão que a filha vai endireitar o pau torto. O dinheiro que ele lhe trazia todo mês, não era fruto de seu suor, mas sim, de seus roubos e portanto, um dinheiro maldito. A dor filha, só a dor poderá ser remédio para ambos. Exija dele atitudes sadias, mas dê o exemplo. Mude suas atitudes também e comece por mostrar que é capaz de deixar do cigarro ou então como vai pedir que ele largue seus vícios?

Pai Joaquim a abençoou em nome de N.Senhor Jesus Cristo e pediu que ela voltasse outras vezes a falar com ele, se assim o quisesse. E assim foi. Muitas outras vezes a mulher com aspecto cada vez mais saudável voltou a conversar com o preto velho e sempre saía do terreiro mais aliviada. Os conselhos de Pai Joaquim eram o único alento que ainda tinha, mas que lhe faziam reviver.

Um ano depois, agradecia emocionada aos pretos velhos a liberdade condicional conseguida para seu filho, acendendo uma vela aos pés da santa e cozinhando o que tinha de melhor em casa para o aquele que retornava ao seu convívio, quando ouviu o estampido de um tiro e um grito. Seu filho caía morto na porta da casa, perseguido pelos cobradores vingativos que o aguardavam.

Depois do desespero e do enterro daquele, que para ela, era ainda uma criança, voltou ao terreiro de Umbanda para pedir alento à sua alma doída e estranhou por não encontrar mais o Pai Joaquim dando passagem através daquele moço. Sendo atendida por outro médium que trazia ao terreiro a Vovó Maria Conga, ela soube que o rapaz havia sido morto num assalto efetuado por um rapaz, no dia em que saia da prisão e que o assassinou para roubar apenas uns poucos trocados, um relógio e seu anel de formatura. A notícia caiu sobre ela como uma bomba, pois lembrou que ao levantar o corpo morto de seu filho na porta de casa, verificou que ele tinha um relógio e um anel, que sabia, não eram seus.

Naquele instante, como uma mágica passou por sua mente todas as palavras ouvidas ali mesmo, de Pai Joaquim, sobre a colheita de nossos plantios e sua responsabilidade como mãe na educação do filho, impondo-lhe limites.

A dor de duas perdas acompanhou aquela mulher ainda por décadas, até que desencarnou por enfisema pulmonar.

História contada por Vovó Benta

Leni W.Savisck

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